quinta-feira, 20 de março de 2008

CIDADÃO MONEGASCO

O pai de Hércules, Arnaud Florence, cirurgião mor do exército, era natural de Toulouse. Casou-se em Mônaco com a monegasca Augustine Vignalis e, logo depois, por motivo de trabalho, foi morar em Nice onde Hércules nasceu em fevereiro de 1804. Poucos meses depois do nascimento de Hércules, sua família se mudou para uma cidade próxima, Vintimille, onde residiu durante três anos. Mais tarde, Hércules, aos quarenta e cinco anos de idade, escreveu:
" É em Vintimille que experimentei as primeiras sensações da vida; ali permaneci apenas pelo espaço de três anos e ainda me recordo da casa em que habitávamos, o jardim, fechado por um muro e uma porta dando para o mar; o ruído das vagas e os passeios da família ao luar... Desde já me agrada falar do mar, pois de minha vida somente tenho saudade do tempo que passei no mar e nos rios da América. Lembro-me finalmente, da rua de nossa casa, onde se reuniam, aos domingos, povo e magistrados para assistirem ao jogo da péla (jeu de paume) ".
Em seguida, a família Florence retornou a Mônaco onde o pai de Hércules faleceu quando ele tinha apenas três anos e sete meses de idade. Depois de ler Robinson Crusoé, na adolescência, Hércules se interessou pelas viagens marítimas e, aos dezesseis anos, obteve autorização de sua mãe para viajar de navio até Antuérpia de onde retornou a pé para Mônaco. Para esta viagem Hércules levou consigo seu passaporte expedido pelo Principado de Mônaco. Ingressou, três anos mais tarde, na Marinha Real Francesa, depois de renovar seu passaporte monegasco. Foi designado para o navio de guerra " Marie Thérèse " que, após alguns meses, partiu em viagem de circunavegação, sob o comando do capitão Claude du Camp de Rosamel. Em Abril de 1824, quarenta e cinco dias após sua partida, o navio aportou no Rio de Janeiro onde Hércules desembarcou e resolveu permanecer, se separando da tripulação. Trazia consigo o passaporte expedido pelo Principado de Mônaco, datado de 31 de Julho de 1823. Em maio de 1824 em carta para sua mãe, escreveu:
" A vantagem de estar longe de vocês, apesar de não fazer muito tempo que viajei, me parece, acima de tudo, foi adquirir certa experiência para conhecer e amar os verdadeiros bens da vida, que consistem na simplicidade, no trabalho e na tranqüilidade da imaginação. Esta imaginação que cega, consegue me determinar a me separar de vocês todos. Você sabe como é bom me educar através do trabalho, tendo eu uma avidez de conhecimentos... desejo progredir no estudo da ciência e desejo conhecer o mundo, visto que é pequena nossa passagem insciente sobre a terra, só desejo me instruir ".
No Brasil, entre os anos de 1825 e 1829, participou da Expedição Langsdorff e, quando se casou, em Janeiro de 1830, com a filha de Álvares Machado, fixou residência em Campinas que, naquela época tinha o nome de Vila de São Carlos. E, no mesmo ano de seu casamento, publicou, como resultado de suas observações durante a viagem com Langsdorff, um estudo sobre o som produzido pelos animais que denominou Zoofonia ( Zoophonie ). Foi em Campinas que idealizou a poligrafia e fez, entre os anos de 1832 e 1836, experiências com fotografia da qual é reconhecido, atualmente, como um dos pioneiros. Vivia em Campinas quando, aos quarenta e três anos de idade, escreveu:
" Por muito tempo lastimei haver contraído laços que me fixaram vinte e quatro anos longe desse mar; contradição de meu espírito, que me fazia sonhar com vastos oceanos a percorrer e praias desertas, ou habitadas por selvagens, a visitar, e que, mais tarde, tornado habitante do Brasil, me fazia ter saudades do Mediterrâneo, de seus portos próximos uns dos outros, de suas ilhas, de seus pequenos mares e, sobretudo, dos habitantes de suas praias. O oceano Atlântico só se me afigura hoje triste solidão, e os quadros de Raynal, esse livro deslumbrante que inflamava minha imaginação, mudaram o seu prestígio ... Avista-se de Mônaco a Ilha da Córsega, mas somente de manhã e no fim do dia quando o tempo é sereno. Ficava satisfeito sempre que eu reconhecia de longe esta Ilha montanhosa; sentia que respirava o mesmo ar que respirara Napoleão na sua infância... Hoje habito sob a mesma latitude onde ele morreu e sofro também os tormentos do exílio ".
Depois de quase um quarto de século vivendo no Brasil, Hércules se sentia exilado e com saudades de Mônaco e de seu mar. Via-se como Napoleão, habitando a mesma latitude da Ilha de Santa Helena. A diferença é que Napoleão foi condenado ao exílio, enquanto que Hércules se exilou, espontaneamente, ao buscar satisfazer seu desejo de conhecer o mundo. Em Maio de 1855 retornou a Mônaco revendo sua mãe que estava com oitenta e sete anos de idade. Levou retrato de sua família em Campinas que desenhara e registrou em desenho os familiares que viviam em Mônaco. Enfim, Hércules Florence embora tenha nascido em Nice foi, também, um cidadão monegasco pois, além de sua mãe ser natural de Mônaco, ele tinha passaporte do Principado onde morou durante dezesseis anos. Soma-se a estes fatos o apego que tinha à sua terra o que fez com que, mesmo vivendo há vários anos no Brasil, não deixasse de sentir saudades de Mônaco e do mediterrâneo cujo horizonte, em sua juventude, ele tanto apreciara contemplar.
Referência: ( 1 ) Segundo Bourroul, o livro de Raynal foi publicado em 1770 e no tomo V trata do Brasil e seus governos, de suas minas de ouro e diamantes, etc. Estas descrições aqueciam as imaginações fogosas e sedentas de novidades e de saber.

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